O Príncipe Que Há de Vir

(The Coming Prince)

Sir Robert Anderson

(1841-1918)

CAPÍTULO 7

A ERA MÍSTICA DAS SEMANAS

As conclusões a que chegamos no capítulo precedente sugerem um impressionante paralelo entre as primeiras visões de Daniel e a profecia das setenta semanas. A história não contém registros dos eventos para satisfazer o curso predito da septuagésima semana. O Apocalipse não estava escrito quando aquele período deveria ter sido fechado cronologicamente e, embora dezoito séculos tenham transcorrido desde então, a restauração dos judeus ainda parece uma quimera de fanáticos sangüíneos. Vamos lembrar também que o propósito da profecia não era agradar ou despertar o interesse dos curiosos. Necessariamente alguma dose de misticismo precisa caracterizar as palavras proféticas, caso contrário elas podem ser "cumpridas" de acordo com a vontade de homens designados; mas uma vez que a profecia vem lado a lado com os eventos que menciona, ela falha em um de seus principais propósitos se sua relação com eles for duvidosa. Se qualquer indivíduo quiser aprender a conexão entre a profecia e seu cumprimento, que leia o capítulo 53 de Isaías e compare-o com a história da Paixão de Cristo: tão vago e figurativo que ninguém poderia ter representado o drama predito; mas mesmo assim tão definitivo e claro que, uma vez que o drama foi cumprido, até mesmo uma criança pode reconhecer sua abrangência e significado. Se então o evento que constitui a data inicial da septuagésima semana precisa ser tão pronunciado e certo quanto o comissionamento de Neemias e a morte do Messias, ele está necessariamente ainda no futuro.

E é isso precisamente o que o estudo do capítulo 7 de Daniel nos levará a esperar. Todos os intérpretes cristãos concordam que entre a ascensão do quarto animal e o crescimento dos dez chifres há um intervalo, ou um parêntese na visão; e, como claramente mostrado, esse intervalo inclui todo o período entre o tempo de Cristo e a divisão do território romano em dez reinos, a partir dos quais o grande perseguidor do futuro se levantará. Esse período, além disso, não é admitidamente observado nas outras visões narradas no livro. Há, portanto, a priori, uma forte probabilidade que ele seria negligenciado na visão do capítulo 9.

Mais do que isso, não há somente a mesma razão para essa redução mística na visão das setenta semanas, como nas outras visões, [1] mas essa razão aplica-se aqui com especial força. As setenta semanas foram estabelecidas como o período durante o qual as bênçãos sobre Judá seriam adiadas. Em comum com toda a profecia, o significado dessa profecia será claramente evidente quando seu cumprimento final ocorrer, mas ela foi necessariamente transmitida de uma forma mística de modo a confinar os judeus à responsabilidade de aceitarem seu Messias. A proclamação inspirada do apóstolo Pedro à nação em Jerusalém, registrada no capítulo 3 de Atos, foi de acordo com isso. Os judeus olhavam meramente para o retorno de sua supremacia nacional, mas o propósito principal de Deus era a redenção por meio da morte daquele que levaria os pecados. Agora, o sacrifício tinha sido realizado e Pedro apontou para o Calvário como o cumprimento "do que Deus já dantes tinha anunciado pela boca de todos os seus profetas" e acrescentou seu testemunho, "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do SENHOR. E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado." [Atos 3:19-20] A realização dessas bênçãos teria sido o cumprimento da profecia de Daniel, e a septuagésima semana teria corrido seu curso sem interrupções. No entanto, Judá mostrou-se impenitente e de dura cerviz, de modo que as bênçãos prometidas foram novamente adiadas até o fechamento desta estranha época da dispensação dos gentios.

Mas alguém pode perguntar, "Não foi a cruz de Cristo o cumprimento dessas bênçãos?" Um estudo cuidadoso das palavras do anjo em Daniel 9:29 mostrará que não mais de uma delas foi assim cumprida. A sexagésima nona semana deveria terminar com a morte do Messias; o encerramento da septuagésima semana deve trazer para Judá as bênçãos plenas resultantes dessa morte. A transgressão de Judá ainda precisa ser detida e seus pecados selados. O dia é ainda futuro quando uma fonte será aberta para purificar a iniqüidade do povo de Daniel [veja Zacarias 13:1] e o sol da justiça nascerá para eles. Em que sentido foram a visão e a profecia seladas na morte de Cristo, considerando-se que a maior de todas as visões ainda estava para ser dada (o Apocalipse) e os dias ainda estavam por vir quando as palavras dos profetas seriam cumpridas? [Lucas 21:22] Seja lá qual for o significado a ser dado a "ungir o Santíssimo", é claro que o Calvário não foi o cumprimento disso. [2]

Mas é consistente com o argumento justo ou com o bom senso dizer que uma era assim cronologicamente definida deva ser interrompida indefinidamente em seu curso? A resposta pronta pode ser dada — que se o bom senso e a justiça, se o julgamento humano for decidir a questão, a única dúvida precisa ser se o período final do ciclo e as bênçãos prometidas em seu encerramento, não são para sempre ab-rogadas ou perdidas por causa da pavorosa culpa do povo que "matou o Príncipe da vida". [Atos 3:15] Certamente não existe presunção em supor que o fluxo do tempo profético esteja represado durante todo esse intervalo da apostasia de Judá. A questão permanece, se qualquer precedente para isso pode ser descoberto na cronologia mística da história de Israel.

De acordo com o livro dos Reis, Salomão começou a construir o templo no ano 480 após os filhos de Israel saírem da terra do Egito. [1 Reis 6:1] Essa afirmação que, mais do que qualquer outra, aparentemente, não poderia ser mais exata, tem confundindo os cronologistas. Por alguns, ela tem sido acusada como uma falsidade; por outros, tem sido desprezada como um erro; mas todos concordam em rejeitá-la. Além disso, a própria Escritura parece contradizê-la. Em seu sermão em Antioquia da Pisídia [Atos 13:18-21], o apóstolo Paulo epitomiza assim a cronologia desse período da história de sua nação: 40 anos no deserto; 450 anos sob os juízes e 40 anos do reinado de Saul; dando um total de 530 anos. A esses anos precisam ser acrescentados os quarenta anos do reinado de Davi e os três primeiros anos do reinado de Salomão; dando 573 anos para o mesmo período que é descrito em Reis como 480 anos. Podem essas conclusões, aparentemente tão inconsistentes, serem reconciliadas? [3]

Se seguirmos a história de Israel no livro dos Juízes, descobriremos que por cinco grandes períodos sua existência nacional como povo de Jeová esteve suspensa. Em punição por sua idolatria, Deus os entregou repetidas vezes e "os vendeu nas mãos de seus inimigos". Eles se tornaram escravos do rei da Mesopotâmia por oito anos, do rei de Moabe por dezoito anos, do rei de Canaã por vinte anos, dos midianitas por sete anos e, finalmente, dos filisteus, por quarenta anos. [4] Mas a soma de 8+18+20+7+40 anos é 93 anos, e se 93 forem deduzidos dos 573 anos, o resultado é 480 anos. É óbvio, portanto, que os 480 anos citados no livro dos Reis desde o êxodo do Egito até o templo é uma era mística formada eliminando-se todos os períodos durante os quais o povo esteve rejeitado por Deus. [5] Se, então, esse princípio foi inteligível aos judeus com relação à sua história, seria natural e legítimo introduzi-lo com relação a uma era essencialmente mística como a das setenta semanas.

Mas essa conclusão não depende do argumento, por mais sólido que seja, ou da inferência, por mais justa. Ela é indisputavelmente provada pelo testemunho do próprio Cristo. "Que sinal haverá da tua vinda, e do fim do mundo?" perguntaram os discípulos reunidos em volta Dele em um dos últimos dias de Seu ministério terreno. [Mateus 24:3] Em resposta, ele falou da tribulação predita por Daniel, [6] e os advertiu que o sinal daquela pavorosa perseguição será o evento exato que marca a metade da septuagésima semana, isto é, a profanação do lugar santo pela "abominação da desolação" — provavelmente alguma imagem de si mesmo — que o falso príncipe introduzirá no templo, em violação às obrigações de seu tratado de respeitar e defender a religião dos judeus. [7] Que essa profecia não foi cumprida por Tito é tão certo quanto a história pode dizer; [8] mas a Escritura não deixa qualquer dúvida sobre a questão.

Parece, a partir das passagens já citadas, que a tribulação predita durará três anos e meio e iniciará a partir da violação do tratado na metade da septuagésima semana. Aquilo que se seguirá é descrito pelo próprio Senhor com palavras de peculiar solenidade: "E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória." [Mateus 24:29-30] Que é para as cenas de encerramento da dispensação que essa profecia se refere é aqui assumido. [9] E, como essas cenas deverão seguir imediatamente após uma perseguição, que ocorrerá durante a septuagésima semana, a inferência é incontestável que os eventos dessa semana pertencem a um tempo ainda no futuro. [10]

Podemos concluir, então, que quando mãos ímpias ergueram a cruz no Calvário e Deus pronunciou o pavoroso "Lo-ami" [Romanos 9:25-26; confira Oséias 1:9-10] sobre Seu povo, o curso da era profética cessou de correr. Ele só irá fluir novamente quando a autonomia de Judá for restaurada e, com óbvia propriedade, a partir do momento em que a readmissão de Israel na família das nações for reconhecida por um tratado. [11] Será, portanto, assumido aqui que a porção anterior da era profética já correu seu curso, mas que os eventos da última semana de anos ainda precisam ser cumpridos. Portanto, o último ponto necessário para completarmos a seqüência de provas é nos certificarmos da data do "Messias, o príncipe".

Notas de Rodapé do Capítulo 7

[1] Veja pp.44-47, ante.

[2] Todas essas palavras apontam para os benefícios práticos a serem conferidos em um modo prático sobre o povo, no segundo advento de Cristo. Isaías 1:26 é um comentário sobre "trazer a justiça". Tomar isso como um sinônimo com declarar a justiça de Deus [Romanos 3:25] é doutrinariamente um erro e um anacronismo. Para qualquer um cujas visões de "reconciliação" não estão baseadas no uso da palavra nas Escrituras, "fazer reconciliação para a iniqüidade" parecerá uma exceção. O verbo hebraico caphar (fazer expiação ou reconcialiação) significa literalmente "cobrir" o pecado (veja o uso dele em Gênesis 6:14), remover uma acusação contra uma pessoa por meio do derramamento de sangue, ou de alguma outra forma (por exemplo, intercessão, Êxodo 32:30), de modo a garantir a aceitação e o favor divino. O seguinte é uma relação de passagens em que a palavra é usada nos três primeiros livros da Bíblia: Gênesis 6:14 (betumarás); 32:20 (aplacarei); Êxodo 29:33,36-37; 30:10,15,16; 32:30; Levítico 1:4; 4:20,26,31,35; 5:6,10,13,16,18; 6:7;30; 7:7; 8:15,34; 9:7; 10:17; 12:7- 8; 14:18-21,31,53; 15:15,30; 16:6,10-11,16-17,18,20,24,27,32-34;17:11; 19:22, 23:28. Será visto que caphar nunca é usado em relação à expiação ou derramamento de sangue considerado objetivamente, mas dos resultados obtidos para o pecador, algumas vezes imediatamente após a morte da vítima, algumas vezes condicionado à ação do sacerdote que estava encarregado da função de aplicar o sangue. O sacrifício não era a expiação, mas o modo pelo qual a expiação era feita. Portanto, "a preposição que marca substituição nunca é usada em conexão com a palavra caphar" (Girdlestone's Synonyms O. T., pág. 214). Portanto, fazer reconciliação, ou expiação, de acordo com o uso da palavra na Escritura, implica na remoção da separação prática entre o pecador e Deus, a obtenção do perdão para o pecado; e as palavras em Daniel 9:24 apontam para o tempo quando o benefício será garantido para Judá. "Naquele dia haverá uma fonte aberta para a casa de Davi, e para os habitantes de Jerusalém, para a purificação do pecado e da imundícia." [Zacarias 13:1]; isto é, as bênçãos do Calvário serão deles; a reconciliação será feita para o povo. Em consonância com isso, a transgressão será detida, ou impedida (veja o uso da palavra em Gênesis 8:2; Êxodo 36:6); isto é, eles deixarão de transgredir; os pecados serão selados — a palavra comumente usada para fechar uma carta [1 Reis 21:8], ou uma bolsa ou saco de tesouro [Jó 14:17]; isto é, os pecados serão tratados e colocados para longe em um sentido prático; a visão e a profecia serão similarmente selados; isto é, a função delas estará no fim, pois todas terão sido cumpridas.

[3] De acordo com Browne (Ordo Saec., artigos 254 e 268), o Êxodo ocorreu na sexta-feira, 10 de abril de 1586 AC; a passagem do Jordão foi em 14 de abril de 1546 AC; Salomão subiu ao trono em 1016 AC e a fundação do templo foi em 20 de abril de 1013 AC. Portanto, ele aceita as declarações de Paulo sem reservas. Clinton conjetura que houve um intervalo de aproximadamente vinte e sete anos entre o tempo dos Juízes e outro de doze anos antes da eleição de Saul, assim fixando 1625 AC como a data do Êxodo, estendendo todo o período para 612 anos, e isso é adotado por Hales, que chama a afirmação em Reis de "uma fraude". Outros cronologistas atribuem períodos variando de 741 anos de Júlio Africano aos 480 anos de Usher, cuja data para o Êxodo — 1491 AC — foi adotada em nossa Bíblia, embora claramente errado por noventa e três anos, no mínimo. O assunto é totalmente discutido por Clinton em Fasti Hell., vol. 1, págs. 312-313, e por Browne, revisando os argumentos de Clinton, em Ordo Saec, item 6, etc. As conclusões de Browne têm muito para eu recomendá-las. Mas se outros estão corretos em inserir períodos com base em conjeturas, meu argumento permanece o mesmo, que se quaisquer desses períodos, se existiram, foram excluídos dos 480 anos com base no mesmo princípio em que foram as eras das servidões. (Este assunto é melhor discutido no Apêndice 1.).

[4] Juízes 3:8,14; 4:2-3; 13:1. A servidão de Juízes 10:7,9 afetou somente as tribos que viviam além do Jordão, e não suspendeu a posição nacional de Israel.

[5] Os israelitas foram nacionalmente o povo de Deus, como nenhuma outra nação pode ser; portanto, eles foram tratados em alguns aspectos com base em princípios similares aos dos indivíduos. Uma vida sem Deus é morte. A justiça precisa manter um controle rígido e julgar com severidade; ou a graça pode perdoar. E, se Deus perdoa, Ele também se esquece do pecado; [Hebreus 10:17] o que sem dúvida significa que o registro dos pecados é apagado e o período coberto por ele é tratado como se estivesse em branco. Os dias da nossa servidão ao mal são ignorados na cronologia divina.

[6] thlipsis, Mateus 24:21; Daniel 12:1 (LXX).

[7] kai epi to hieronn bdelugma ton eramoseon, Daniel 9:27; to bdelugma eramoseos, Daniel 12:11 (LXX); hotan oun idate to bdelugma tas eramoseos to rhathen dia Danial tou prophatou, estos en topo hagio, Mateus 24:15. Compare 1 Macabeus 1:54, okodomasan bdelugma eramoseos epi phusiastapion. Essa passagem em Mateus permite uma prova irrefutável que todos os sistemas de interpretação que fazem as setenta semanas terminarem com a vinda ou morte de Cristo e, portanto, antes da destruição de Jerusalém por Tito, estão totalmente errados. E que esse evento não foi na verdade o fim da era, é claro a partir de Mateus 24:21-29 e Daniel 9:24.

[8] Fazendo todos os descontos para o deplorável tempo de serviço de Josefo e sua admiração por Tito, seu testemunho neste ponto é completo e explícito demais para admitir a dúvida. (Guerras, 6, 2 parágrafo 4).

[9] Estou ciente dos sistemas de interpretação que modificam o significado dessas escrituras, mas é inútil tentar refutar todos eles em detalhes. (Veja o Capítulo 11, post. e o Apêndice Nota C.).

[10] Tal era a crença da igreja primitiva; mas a questão tem sido debatida longamente em deferência a escritores modernos que defendem uma interpretação diferente de Daniel 9:27. Hipólito, que foi bispo e mártir, e que escreveu no início do terceiro século, é o mais definitivo no ponto. Citando o verso, ele diz, "Por uma semana, ele quis dizer a última semana, que será no fim de todo o mundo; durante essa semana os dois profetas Enoque e Elias se levantarão na primeira metade; pois pregarão por 1.260 dias, vestidos em pano de saco." (Hipólito, em Cristo e o Anticristo). De acordo com Browne (Ordo Saec., pág. 386, nota), essa também era a visão do pai dos cronologistas cristãos, Júlio Africano. Que metade da última semana foi cumprida, mas os remanescentes três anos e meio ainda são futuros, é mantido pelo próprio cônego Browne (artigo 339), que observa aquilo que tantos autores modernos negligenciam, que os eventos que pertencem a esse período estão conectados com os tempos do Anticristo.

[11] Isto é, a aliança mencionada em Daniel 9:27.

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Data da publicação: 3/3/2005
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