O Príncipe Que Há de Vir

(The Coming Prince)

Sir Robert Anderson

(1841-1918)

CAPÍTULO 12

A PLENITUDE DOS GENTIOS

O rio principal da profecia corre no canal da história hebraica. Isto é realmente verdadeiro com relação à toda a revelação. Onze capítulos da Bíblia são suficientes para cobrir os dois mil anos antes da chamada de Abraão e o restante do Velho Testamento relaciona-se com o povo hebreu. Se por um tempo a luz da revelação esteve em Babilônia ou em Susã, foi por que Jerusalém estava desolada e Judá no exílio. Por certo tempo o gentios ganharam agora o lugar principal nas bênçãos sobre a Terra, mas isso é inteiramente anômalo e a ordem normal do modo de Deus lidar com o homem está novamente para ser restaurada. "O endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades." [1]

As Escrituras estão repletas de promessas e profecias para essa nação e nem ainda a décima parte delas já foi cumprida. Apesar da linguagem poética apaixonada de tantas das antigas profecias ser um pretexto para tratá-las como descrições hiperbólicas das bênçãos do evangelho, esse tipo de apelação não pode ser feito com relação à epístola aos Romanos. Escrevendo aos gentios, o apóstolo dos gentios desenvolve ali a matéria na presença dos fatos da dispensação dos gentios. Os ramos naturais de Israel foram quebrados da oliveira dos privilégios e bênçãos terreais e, "contra a natureza", os ramos do zambujeiro do sangue gentio foram enxertados, substituindo-os. Mas, a despeito das advertências do apóstolo, nós, gentios nos tornamos sábios em nossos próprios conselhos, esquecendo-nos que a oliveira, de cuja raiz e seiva participamos, é essencialmente hebraica, "porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento."

A mente da maioria dos homens está em servidão aos fatos de lugar-comum de sua experiência. As profecias de um Israel restaurado parecem tão incríveis quanto as predições dos triunfos presentes da eletricidade e do vapor pareceriam aos nossos antepassados de cem anos atrás. Embora afetando a independência em julgar assim, a mente somente está dando provas de sua própria impotência ou ignorância. Além do mais, a posição que os judeus mantiveram por dezoito séculos é um fenômeno que em si mesmo elimina qualquer aparente suposição contra o cumprimento dessas profecias.

Não é uma questão de como uma falsa religião como a de Maomé pode manter uma fronte altiva na presença de uma verdadeira fé; o problema é muito diferente. Não somente em uma época anterior, mas nos primeiros dias da atual dispensação, os judeus desfrutaram de uma preferência nas bênçãos, que praticamente correspondeu a um monopólio do favor divino. Em sua infância, a igreja cristã foi essencialmente judaica. Os judeus dentro da igreja eram contados aos milhares, os gentios às dezenas. Apesar disso, esse mesmo povo mais tarde se tornou, e por dezoito séculos continua a ser, o mais morto à influência do evangelho do que qualquer outra classe de pessoas no mundo. Como pode "esse mistério", como o apóstolo o chama, ser explicado, senão como as Escrituras o explica, isto é, que a época da graça especial a Israel foi encerrada com o período historicamente dentro dos Atos dos Apóstolos, e que desde essa crise em sua história, "o endurecimento veio em parte sobre Israel"?

Mas essa mesma palavra, a verdade da qual é tão claramente provada pelos fatos públicos, declara que esse endurecimento judicial continuará somente "até que a plenitude dos gentios haja entrado", e o inspirado apóstolo acrescenta: "E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades." [2]

Mas, pode com razão ser perguntado, isso não implica meramente que Israel será trazido para dentro das bênçãos do evangelho, não que os judeus serão abençoados com base em um princípio que é totalmente inconsistente com o evangelho? O cristianismo, como um sistema, assume o fato que em uma época passada os judeus desfrutaram de um lugar peculiar nas bênçãos:

"Digo, pois, que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas feitas aos pais; e para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei entre os gentios, E cantarei ao teu nome." [Romanos 15:8-9; ênfase adicionada].

Mas os judeus perderam sua posição de vantagem por causa do pecado e agora estão no mesmo nível comum da humanidade arruinada. A cruz derribou "a parede de separação", que os distanciava dos gentios. Ela nivelou a todos sem distinções. Com relação à culpa "não há diferença, porque todos pecaram"; com relação à misericórdia "não há diferença, porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam." Como, então, se não há diferença, pode Deus conceder bênçãos com base em um princípio que implica que há uma diferença? Em uma palavra, o cumprimento das promessas para Judá é absolutamente incoerente com as distintivas verdades da atual dispensação.

A questão é de imensa importância e requer a mais séria consideração. Não é suficiente dizer que o capítulo 11 de Romanos supõe que nesta época os gentios têm uma vantagem, embora não uma prioridade e, portanto, Israel poderá desfrutar o mesmo privilégio em seguida. É parte da mesma revelação, que embora a graça tenha vindo sobre os gentios exatamente onde eles estão, ela não os confirma nesta posição como gentios, mas os eleva de sua posição e os desnacionaliza; porque na igreja desta dispensação, "não há nem judeu nem grego". [3] As promessas a Judá, ao contrário, implicam que as bênçãos chegarão aos judeus como judeus, não somente reconhecendo sua posição nacional, mas confirmando-os nessa posição.

A conclusão, portanto, é inevitável, que antes de Deus poder agir assim, a proclamação oficial da graça na presente dispensação precisa cessar e um novo princípio de lidar com a humanidade precisa ser inaugurado.

Mas aqui as dificuldades somente parecem se multiplicar e crescer. Alguém poderia perguntar: "A dispensação não corre seu curso até o retorno de Cristo à Terra?" Como então podem os judeus serem encontrados na segunda vinda de Cristo em um lugar de bênçãos nacionalmente, semelhante ao que tiveram em uma época passada? Todos admitirão que as Escrituras parecem ensinar que esse será o caso. [4] A questão ainda permanece se essa é ou não realmente a intenção. As Escrituras falam de qualquer crise em relação à Terra, que requererá intervenção antes do dia em que o Homem do Pecado será revelado?

Ninguém que diligentemente busque a resposta a essa investigação poderá deixar de ficar impressionado pelo fato que, à primeira vista, alguma confusão parece marcar as afirmações das Escrituras com relação a isso. Certas passagens testificam que Cristo retornará à Terra, e estará em pé mais uma vez naquele mesmo Monte das Oliveiras que seus pés pisaram antes de Ele ascender ao Seu Pai (Zacarias 14:4; Atos 1:11-12), e outros dizem simplesmente que Ele virá, não à Terra, mas ao ar acima de nós, e chamará Seu povo para encontrá-Lo e estar com Ele. (1 Tessalonicenses 4:16-17). Essas Escrituras novamente provam de forma claríssima que é Seu povo fiel que será "arrebatado" (1 Tessalonicenses 4:16-17; 1 Coríntios 15:51-52) deixando o mundo correr seu curso até sua condenação; enquanto outras Escrituras de forma também inequívoca ensinam que não é Seu povo, mas os ímpios que serão removidos, deixando os justos "resplandecerem como o sol, no reino de seu Pai." [Mateus 13:40-43] E a confusão aparentemente aumenta quando observamos que os Escritos Sagrados parecem algumas vezes representar os justos que serão assim abençoados como judeus, e algumas vezes como cristãos de uma dispensação na qual os judeus foram colocados de lado por Deus.

Essas dificuldades admitem somente uma solução, uma solução tão satisfatória quanto simples, isto é, que aquilo que chamamos de segundo advento de Cristo não é um evento único, mas inclui várias manifestações distintas. Na primeira dessas, Ele chamará para Si mesmo os mortos que morreram em Cristo, junto com Seu próprio povo que estará vivendo na Terra naquele momento. Com esse evento este "dia da graça" especial cessará, e Deus novamente reverterá para as alianças e promessas, e aquele povo para quem elas pertencem (Romanos 9:4) mais uma vez se tornará o centro da ação divina com relação à humanidade.

Tudo o que Deus prometeu está dentro da abrangência da esperança do crente; [5] mas esse é seu horizonte próximo. Todas as coisas aguardam seu cumprimento. Antes do retorno de Cristo à Terra, muitas páginas de profecia ainda precisam ser cumpridas, mas nem uma linha das Escrituras barra a realização desta esperança especial da igreja de Sua vinda para levar Seu povo para Si mesmo. Aqui, então, está a grande crise que colocará um termo no reinado da graça e iniciará os sofrimentos da mais feroz provação que já ocorreu da Terra — "Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas." (Lucas 21:22).

A objeção que uma verdade dessa magnitude teria sido declarada com clareza mais dogmática esquece a distinção entre ensino doutrinário e palavra profética. A verdade do segundo advento pertence à profecia, e as afirmações das Escrituras com relação a ele são marcadas precisamente pelas mesmas características que as profecias do Velho Testamento sobre o Messias. [6]

"Os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir" foram preditas de tal forma que um leitor superficial das antigas Escrituras teria deixado de descobrir que haveria dois adventos do Messias. E até o estudante mais cuidadoso, se não fosse versado no esquema geral da profecia, poderia supor que os dois adventos, embora moralmente distintos, deveriam estar intimamente conectados no tempo. Assim é com o futuro. Alguns consideram o segundo advento como um único evento; por outros, seu verdadeiro caráter é reconhecido, mas eles deixam de marcar o intervalo que precisa separar sua primeira forma de seu estágio final. Uma compreensão inteligente da verdade com relação a ele é essencial para a correta compreensão das profecias ainda não cumpridas.

Mas tendo assim esses marcos principais claramente fixados para nos guiar no estudo, não podemos deixar de deplorar a tentativa de preencher o intervalo com maior exatidão que as Escrituras garantem. Existem eventos definidos a serem cumpridos, mas ninguém pode ser dogmático com relação ao tempo ou ao modo como eles serão cumpridos. Nenhum cristão que estima corretamente o terrível peso do sofrimento e do pecado que a cada dia é acrescentado à soma terrível dos sofrimentos e culpa deste mundo pode deixar de desejar que o fim esteja próximo, mas que ele não se esqueça do grande princípio: "E tende por salvação a longanimidade do nosso Senhor" (2 Pedro 3:15) e nem da linguagem dos Salmos: "Porque mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, e como a vigília da noite." (Salmo 90:4) Há muito nas Escrituras que parece justificar a esperança que a consumação não será retardada por muito tempo; mas, por outro lado, não há pouco para sugerir a idéia que antes de essas cenas finais acontecerem, a civilização retornará ao seu antigo lar no oriente e, possivelmente, uma Babilônia restaurada se tornará o centro do progresso humano e da religião apóstata. [7]

Afirmar que longas eras ainda têm de correr seu curso é tão indefensável quanto as predições feitas tão confiantemente que todas as coisas serão cumpridas no século atual. É somente enquanto a profecia estiver dentro das setenta semanas de Daniel que ela ocorre dentro do intervalo da cronologia e a visão de Daniel relaciona-se principalmente com Judá e Jerusalém. [8]

Notas de Rodapé do Capítulo 12

[1] Romanos 11:25-26; A entrada da plenitude dos gentios não deve ser confundida com o cumprimento do tempos dos gentios (Lucas 21:24). A primeira refere-se às bênçãos espirituais, a outra ao poder terreal. Jerusalém não será a capital de uma nação livre, independente do poder gentio, até que o verdadeiro Filho de Davi venha para reivindicar o cetro.

[2] Romanos 11:25-26. Nem todo israelita, mas Israel como uma nação. (Alford, Gr. Test., in loco).

[3] Gálatas 3:28. Contraste isto com as palavras do Senhor em João 4:22, "A salvação vem dos judeus."

[4] Em prova disto, pode-se apelar para estas mesmas profecias de Daniel; e as profecias posteriores testificam de forma ainda mais clara, notavelmente o livro de Zacarias.

[5] "Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça." (2 Pedro 3:13) Longas eras de tempo e inúmeros eventos precisam ocorrer antes da realização desta esperança, mas mesmo assim o crente anela por ela.

[6] Para um tratado admirável sobre essas características da profecia, veja Christology, de Hengstenber, Kregel Publications.

[7] Isaías 13 parece conectar a queda final de Babilônia com o grande dia que está se aproximando (compare versos 1, 9. 10, 19); e, em Jeremias 50, o mesmo evento está conectado com a restauração e união futura das duas casas de Israel (verso 4). Entretanto, faço a sugestão meramente como uma precaução contra a idéia que certamente já chegamos aos últimos dias da dispensação. Se mais mil anos tiverem de passar na história do cristianismo, o retardo não desacreditará a verdade de uma única afirmação nos Escritos Sagrados.

[8] De fato, nenhuma das visões de Daniel tem uma abrangência mais ampla. Isaías, Jeremias e Ezequiel tratam de Israel (ou das dez tribos); mas Daniel lida unicamente com Judá.

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Data da publicação: 24/3/2005
Revisão: http://www.TextoExato.com
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