Como Assinar uma Concordata Por Debaixo dos Panos

Fonte: Concordat Watch

Sinopse: para fazer uma concordata ser aceita por um Estado laico, como o Brasil, é necessário intriga: uma assinatura secreta no Vaticano, um acordo implícito com a mídia evangélica para se manter calada e o lóbi dos bispos para evitar um amplo debate no Congresso.

Em maio de 2007, o papa viajou até o Brasil, o país com a maior população católica do mundo. Entretanto, seu encontro de trinta minutos com o presidente foi divulgado como uma visita polida, porém tensa, com o governo do Brasil refutando as tentativas do papa de fazer uma concordata, com base no fato de ser um Estado laico. [1] O que ninguém sabia naquele momento era que o trabalho no texto da concordata já tinha começado desde 1991, e que negociações formais estavam ocorrendo desde 2006. [2] Dezoito meses após a visita papal, o presidente brasileiro fez uma visita de retribuição ao Vaticano, que foi assumida como uma simples visita de cortesia "a caminho de Washington". [3] Entretanto, uma vez que chegou lá, o presidente foi encaminhado à Sala dos Tratados e assinou a concordata desconhecida. Esse roteiro foi uma repetição da assinatura da Concordata Entre o Vaticano e a República de Portugal. Em 2004, o presidente português também preferiu assinar caladamente o documento fora da vista de seus concidadãos. [4].

"Barriga ou autocensura?"

Após a assinatura de surpresa, as "Altas-Partes Contratantes" fizeram o melhor para evitar qualquer contestação, e simplesmente mantiveram o fato longe da mídia. Um informativo do governo fez uma discreta menção a um "acordo administrativo". [5].

"Houve abraços, bênçãos, fotos e nenhuma declaração sobre o teor do encontro entre o presidente da República e o Sumo Pontífice. O noticiário dos dias seguintes foi insignificante, desencontrado e visivelmente despistador." [6].

Até mesmo a poderosa mídia evangélica evitou o assunto. Por exemplo, a Igreja Universal do Reino de Deus, é uma seita pentecostal que prega a Teologia da Prosperidade e apresenta o dízimo como um investimento. "A experiência no Brasil mostra que essa igreja vê o controle da mídia como crucial em sua campanha para conquistar mais fiéis e dizimistas." [7] O governo tem ajudado, concedendo à igreja licenças para 23 retransmissoras de televisão, 40 estações de rádio, e o registro para pelo menos 19 empresas, que estão sob o controle de membros e bispos da igreja. [8] O império da mídia evangélica no Brasil não iria sacudir o barco. [9] Como resultado, o texto em português, embora tenha sido publicado no sítio do governo brasileiro na Internet, simplesmente não foi discutido publicamente.

Mas como mantê-lo fora do alcance das pessoas que não falam o português? O Vaticano teve uma ideia esperta: anunciou que "não iria publicar o texto do acordo até que ele fosse ratificado pelo parlamento brasileiro." [10] Isto era literalmente verdade: o Vaticano não iria publicá-lo, mas enganou as pessoas, levando-as a pensar que o documento também não seria publicado por ninguém mais. Duas semanas após a assinatura, o semanário católico britânico The Tablet, "interpretou" a declaração do Vaticano como "o acordo ainda não foi publicado". [11] Portanto, embora o texto estivesse no sítio do governo na Internet, permaneceu invisível para o mundo exterior: as pessoas que acreditam que algo não está publicado não vão procurar aquilo.

Entretanto, à medida que a notícia se espalhou pelo Brasil, apesar da falta de discussão pública, o Vaticano tentou encontrar um modo de impedir o debate. No início de maio, alguns políticos subitamente começaram a argumentar que seria melhor que a concordata fosse discutida por um comitê da Câmara, e não por todo o Congresso. [12] Em seguida, em meados de junho, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou um de seus membros para visitar o presidente do Congresso e pedir sua ajuda para colocar a tramitação da concordata em regime de urgência — uma tentativa direta de interferir no processo democrático.

Notas Finais

1. "Pope meets Lula, asks youth to evangelize (2nd Roundup)", DPA, 11 de maio de 2007. http://www.monstersandcritics.com/news/americas/news/article_1302981.php/.

2. "Bento XVI recebe presidente Lula", Rádio Vaticano, 13 novembro de 2008. http://www.ejcneves.com.br/noticias.php?id=149.

3. Roseli Fischmann, "Omissão da mídia sobre o acordo com o Vaticano" Observatório da Imprensa, 18 de novembro de 2008. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=512JDB002.

4. Ibidem.

5. Alberto Dines, editorial: "Barriga coletiva ou autocensura?", Observatório da Imprensa, 25 de novembro de 2008. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/oinatv.asp?tv_edi=488.

6. Alberto Dines, Observatório da Imprensa, 17 de fevereiro de 2009. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=525IMQ005.

7. "Church makes airwaves", BBC, 3 de agosto de 2000. http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk/864623.stm.

8. "Evangelical Media Empire in Brazil Goes to Court to Intimidate Press", Brazzil Magazine, 31 de janeiro de 2008. http://www.brazzilmag.com/content/view/9096/.

9. Alberto Dines, editorial, Observatório da Imprensa, 25 de novembro de 2008. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/oinatv.asp?tv_edi=488.

10. "Vatican signs agreement over Church status in Brazil ", Total Catholic, 14 de novembro de 2008. http://www.totalcatholic.com/tc/index.php?option=com_content&view=article&catid=20:vatican-news&id=366:vatican-signs-agreement-over-church-status-in-brazil&Itemid=46

11. The Tablet, 21 de novembro de 2008.

12. "Ministro pede apoio para mudança em regra de acordo internacional", 6 de maio de 2009. http://www2.camara.gov.br/homeagencia/materias.html?pk=134188.

13. "CNBB pede rapidez na aprovação do Estatuto da Igreja Católica", 16 de junho de 2009. http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=136211.



Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.eu/showtopic.php?org_id=15311&kb_header_id=37291
Data da publicação: 7/8/2009
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